quarta-feira, 21 de julho de 2010

As mãos ágeis que não seguram o tempo


Nunca me senti uma pessoa nostálgica, dessas que sofre com a passagem dos anos. Acho que acompanhava o tempo passar, e gostava das mudanças que essa passagem permitia. Não me oponho freneticamente às novas tecnologias, nem acho que a eletricidade é o maior mal da humanidade.

Desta vez, em Florianópolis, foi diferente. Quando era pequena, costumava passar as férias lá, com meu pai e irmãos. Um dos programas que nunca faltava no roteiro era visitar a avenida que fica na frente da Lagoa da Conceição e comprar rendas. Eu, na verdade, não gostava muito do passeio, não achava dos mais adequados para minha idade e preferia ficar à beira mar. A cidade era famosa pelas rendas de Bilro, tendo inclusive um monumento em sua homenagem na Praça da Alfândega, no centro da ilha.


Monumento em homenagem a Renda de Bilro no centro de Florianópolis
 
E de volta a Florianópolis quase 15 anos depois, com o meu pai, esse programa não poderia faltar. Já tinha sentido a cidade diferente, uma rua asfaltada onde só havia terra batida, um condomínio fechado no lugar da mata. Mas a surpresa maior nos aguardava com as rendeiras. Ou, na sua ausência. A primeira tentativa foi frustrada: não encontramos nenhuma. Mas antigamente a rua era repleta delas, e elas deveriam estar em algum lugar! Não desistimos e perguntamos. “As rendeiras? Estão lá, na beira da lagoa!” E assim voltamos à lagoa, pensamos que com todo o progresso as rendas estariam em um complexo comercial, com várias lojinhas e praça de alimentação. Grande engano. Com muito esforço vimos uma lojinha e logo outra, um pouco mais a frente mais uma. “Estamos chegando perto” E depois de percorrer toda a avenida percebemos que era isso: as rendeiras se resumiam a três lojinhas. Com um aperto no coração, paramos o carro e descemos. Enquanto eu passava em frente á loja com os olhos perdidos, escutei:

- Pode olhar enquanto tem tempo. – dizia a senhora com os olhos atentos a renda que tecia.
- Hein?
- Pode olhar, que a renda está acabando.
- Ah! Já está acabando? Que ótimo…
- Não, o que está acabando é a renda…
- Nossa, é mesmo? Que horror… – eu não estava preparada para uma conversa…
Dona Norma é uma das poucas rendeiras que ainda resistem na avenida que já foi repleta delas e que ainda leva esse nome.
Mas ela era ainda mais ágil que suas mãos e enquanto falava entrou na loja e começou:

- Esse é 20, esse é 30, esse também é 20.
- Mas por que as rendas estão acabando?
- As velhas estão morrendo e as moças novas não querem aprender o ofício.
- Puxa, que triste, é um trabalho tão bonito.
- É mesmo, eu levo uma semana para fazer uma toalha dessas. Custa 20 reais.

Cedi.

- 20?
- É, quem não mostra, não vende…

E então eu me rendi às rendas e comprei três toalhas “para servir café”. Mesmo sabendo que não tenho bandeja.

Um comentário:

Anônimo disse...

Mudam as pessoas, as coisas, enfim o tempo faz a vida mudar. o que importa, no entanto, é viver.
mas como dizia Guimaraes Rosa " viver é perigoso"