quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A falta que um abraço faz

Eu sou uma pessoa de muitas (boas!) ideias e poucas ações. A minha mãe, ao contrário de mim, fazia. Fazia de tudo e tudo bem feito. E assim, as minhas ideias, com ela, sempre davam certo.

Inventei que a gente precisava separar o lixo em casa. Muito antes de São Paulo ter esse projeto de coleta seletiva, então o "plano" não era muito simples de ser executado. Mas a minha mãe levou a sério. Descobrimos uma cooperativa perto de casa que recolhia lixo. E assim, entramos na era verde. Terezinha separava tudo. "Mas mãe, isso não recicla." Não importava, lá ia ela lavar a embalagem-brilhante-encerada.

Um dia, ouvimos que o Serra (que era prefeito) iria despejar a cooperativa. E lá fomos nós, num domingo de Sol, abraçar a Coopamare. Jogar o lixo era o nosso programa.

Perdi muitos hábitos nesses últimos meses. Mas continuei separando o lixo. Só não conseguia levá-lo. Era muito difícil fazr isso sozinha. Mas, como devem imaginar, o lixo foi se acumulando na cozinha. E hoje, com medo da vigilância sanitária, juntei meus caquinhos e sai de casa.

Assim que cheguei lá, um carro-bege-importado parou atrás de mim e buzinou. Fui um pouco mais pra frente, tentei manobrar, e nada, continuava buzinando. A mulher que dirigia, fez sinal para que eu não me preocupasse, então, desci e fui tirar as caixas do carro. Mas a buzina não parava. Até que saiu um moço da cooperativa, e foi até o carro. Para ele, aquela cena não era estranha: abriu o porta malas e tirou as caixas de dentro. A mulherdocarrobege nem precisou descer.

Nesse momento percebi uma menina do banco do passageiro, alheia a tudo que acontecia, com seu videogame portátil. E meu coração doeu um pouco mais. Senti pena da garota, que nunca vai saber o que é ter uma mãe de verdade.



 

domingo, 29 de agosto de 2010

Selva de pedras

 Já disse por aqui que não sou das mais militantes ecológicas. Como carne, tenho cachorro morando em apartamento, freqüento zoológicos e até tenho um aquário.

Assim, como boa paulistana que sou, vivo bem em minhas contradições. Mas hoje, almoçando com meu pai na estrada, foi demais, até mesmo para mim. É triste perceber que a gente desacostuma com o verde. As plantas e os pássaros cantando de manhã não fazem parte do nosso cenário cotidiano. E toda vez que vou para o sítio, fico deslumbrada com essas coisas, feito criança. 

E hoje, no meio da estrada, estava lá, em uma placa da concessionária, escancarando a nossa relação com o ambiente:
Não é filme de ficção!
Ok, também não sou nenhuma desalmada. Separo lixo, já ajudei cachorro abandonado na rua (dois!), não uso inseticida e até convivi com as pragas do meu aquário. Me senti em um filme de ficção científica de 2234, quando os seres humanos dilaceraram o planeta e passaram a viver em bolhas.

Puxa, uma aulinha de ambigüidade não faria mal para a ViaOeste, não?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Peixe frito

Detesto correntes de email. Nunca repassei uma, nem de powerpoint com bichinhos fofinhos, muito menos "alertando" para um novo golpe no farol. E se tem uma coisa que eu odeio mais do que correntes de email são lições de auto-ajuda... 
Agora, se servem para alguma coisa é para alimentar assunto de bar. 
- Recebi um email esses dias sobre a pesca no Japão. 
- É mesmo? 
- É. É uma história de que os peixes japoneses ficam longe da costa e que os pesqueiros demoram para voltar e daí o peixe não está mais fresco. Então eles foram criando estratégias para "melhorar o produto": congelaram o peixe, não deu certo; colocaram um tanque no barco, não deu certo; e nada parecia dar certo. Os peixes sempre morriam antes de chegar a costa. Até que uma empresa X, resolveu colocar os pobres peixinhos em um tanque junto com um tubarão, e então, o tubarão passava a viagem correndo atrás dos peixinhos que chegam vivos (e alertas!), fresquinhos para o consumidor japonês.

Adivinhem sobre o que era esse email! Motivação... A "moral" da história era a seguinte: na vida a gente se acostuma e precisa de alguma coisa para continuar motivado. "coloque um tubarão no seu tanque e veja onde pode chegar". Pode? Será que alguém se sente mesmo motivado com essas coisas?
Mas o que motivou a nossa conversa foi a crueldade com os bichos.

- Será que é verdade? 
- Claro que não - respondi. - nem pensar que isso é verdade.
- Coitados dos peixes...
- Não acontece isso não. se fosse verdade alguma ong de proteção aos animais já teriam protestado.
- É, é verdade.
- Claro, imagina só: pescar um tubarão só para manter os peixes frescos.
- Puxa, não tinha pensado no tubarão...

E nesse momento meu coração parou: me senti um peixinho que acha que é um tubarão.

PS: encaminhem essa história para, pelo menos dez amigos!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Diálogos com a minha irmã

- Pára de inventar história, você não termina nada.
- O que eu termino que eu não começo?

E depois, um pouco mais tarde:
- Você já tem muitos vícios, precisa parar com um.
- Preciso cortar a unha?

E não é que a gente se entende?!

domingo, 25 de julho de 2010

Dia de novela

Era uma vez, em uma cidade não muito distante, duas irmãs. Essas irmãs eram muito diferentes, se uma gostava de algo, a outra certamente detestava. E isso acontecia com tudo: música, cores, viagens. Não existia um único aspecto em que as duas concordassem. Mas mesmo assim, uma sempre fazia companhia a outra.
A irmã mais velha (um pouco mais velha…) a-d-o-r-a-v-a fazer cursos. Isso mesmo, qualquer tipo de curso: costura, culinária, enquanto a mais nova não podia nem pensar nisso. Mas os anos se passavam e a situação era sempre a mesma:
- Cris, vamos fazer um curso de risoto na Paulista?
- Nem pensar.
E lá iam as duas animadas pensando em combinação de sabores. Alguns meses depois:
- Cris, descobri um curso de mosaico com azulejos aqui pertinho de casa.
- Nem pensar.
E as duas voltam para casa cheia de vasos e caixinhas.
- Cris, sabe aquela casa que estava para alugar? Agora é uma escola de música.
- Nem pensar.
Até que em um belo carnaval…
- Cris, bem que a gente podia aproveitar que não viajamos e fazer um curso de velas!
- Claro!
E, como sempre, as duas foram para mais uma tarde de artesanato. A escola era simpática. E o cenário se repetia: as duas moças, uma legião de senhoras e um professor animadíssimo. E o professor mostrava as maravilhas que se pode fazer com um pouco de parafina. Vasos, pratos, formatos e cores diferentes. Então apresenta sua mais incrível obra: um cubo branco com as iniciais: L e R. Eram as velas para um casamento. De repente, entra na sala uma moça ainda mais animada que o professor, que pára a aula:
- Pessoal, esta é a Lais, a noiva. É para ela que estamos fazendo tantas velas. – e começa a falar e falar sobre a alegria do casamento, como a decoração era importante… E nesse momento entra um rapaz.
- Ricardo. – Não, não era o professor apresentando o noivo. Era a minha irmãzinha sussurando.
- Hein?!
- O nome do cara é Ricardo.
- Mais como você sabe?
- Fiquei com ele ontem!
- Como assim?‼ Ontem você não foi ao desfile da escola de samba?‼
- Pois é, e o nome dele é Ricardo e eu fiquei com ele na dispersão.
- Hein?! Você tem certeza?
Nesse momento, o moço olha para as duas. E a sua cara de pânico não deixava mais dúvida: seu nome era Ricardo. E desde então, as meninas pararam com os cursos. Luiza não conseguia imaginar o que aconteceria caso convidasse sua irmã para uma aula de decoupagem.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

As mãos ágeis que não seguram o tempo


Nunca me senti uma pessoa nostálgica, dessas que sofre com a passagem dos anos. Acho que acompanhava o tempo passar, e gostava das mudanças que essa passagem permitia. Não me oponho freneticamente às novas tecnologias, nem acho que a eletricidade é o maior mal da humanidade.

Desta vez, em Florianópolis, foi diferente. Quando era pequena, costumava passar as férias lá, com meu pai e irmãos. Um dos programas que nunca faltava no roteiro era visitar a avenida que fica na frente da Lagoa da Conceição e comprar rendas. Eu, na verdade, não gostava muito do passeio, não achava dos mais adequados para minha idade e preferia ficar à beira mar. A cidade era famosa pelas rendas de Bilro, tendo inclusive um monumento em sua homenagem na Praça da Alfândega, no centro da ilha.


Monumento em homenagem a Renda de Bilro no centro de Florianópolis
 
E de volta a Florianópolis quase 15 anos depois, com o meu pai, esse programa não poderia faltar. Já tinha sentido a cidade diferente, uma rua asfaltada onde só havia terra batida, um condomínio fechado no lugar da mata. Mas a surpresa maior nos aguardava com as rendeiras. Ou, na sua ausência. A primeira tentativa foi frustrada: não encontramos nenhuma. Mas antigamente a rua era repleta delas, e elas deveriam estar em algum lugar! Não desistimos e perguntamos. “As rendeiras? Estão lá, na beira da lagoa!” E assim voltamos à lagoa, pensamos que com todo o progresso as rendas estariam em um complexo comercial, com várias lojinhas e praça de alimentação. Grande engano. Com muito esforço vimos uma lojinha e logo outra, um pouco mais a frente mais uma. “Estamos chegando perto” E depois de percorrer toda a avenida percebemos que era isso: as rendeiras se resumiam a três lojinhas. Com um aperto no coração, paramos o carro e descemos. Enquanto eu passava em frente á loja com os olhos perdidos, escutei:

- Pode olhar enquanto tem tempo. – dizia a senhora com os olhos atentos a renda que tecia.
- Hein?
- Pode olhar, que a renda está acabando.
- Ah! Já está acabando? Que ótimo…
- Não, o que está acabando é a renda…
- Nossa, é mesmo? Que horror… – eu não estava preparada para uma conversa…
Dona Norma é uma das poucas rendeiras que ainda resistem na avenida que já foi repleta delas e que ainda leva esse nome.
Mas ela era ainda mais ágil que suas mãos e enquanto falava entrou na loja e começou:

- Esse é 20, esse é 30, esse também é 20.
- Mas por que as rendas estão acabando?
- As velhas estão morrendo e as moças novas não querem aprender o ofício.
- Puxa, que triste, é um trabalho tão bonito.
- É mesmo, eu levo uma semana para fazer uma toalha dessas. Custa 20 reais.

Cedi.

- 20?
- É, quem não mostra, não vende…

E então eu me rendi às rendas e comprei três toalhas “para servir café”. Mesmo sabendo que não tenho bandeja.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Coisas difíceis de entender

Estavamos de carro em Florianópolis. Difícil entender algumas coisas da cidade e sempre nos perdiamos no trânsito.

- E agora?

- Para a direita, pai.
- Onde?
- Direita, para lá.

E eis, que ele vira, sem a menor cerimônia, para a esquerda e nos perdemos mais uma vez. Assim eu entendi uma placa, que até então me intrigava, na entrada de um túnel na avenida Beira Mar.



São para motoristas assim, como o meu pai.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Feito giz

Estava em um bar com um amigo jornalista que tinha sido fotógrafo do Notícias Populares. Na mesa, outros amigos dele, cada um com a sua profissão. Chegou a minha vez:

- Professora.

Para o meu espanto, a mesa parou. Silêncio. Eu sempre achei que ser professora era dessas profissões consideradas sem graça, de quem tinha “caído ali”. Não para mim, que escolho ser professora todos os dias.

- Mas você não tem medo? – perguntou um deles, surpreso pela minha resposta.

Eu juro que achei aquela cena a mais estranha possível que poderia acontecer. Como assim? Medo? Sério? Por um instante achei que ele falava com o meu amigo, o tal fotógrafo do Notícias Populares. Aí sim, aquela pergunta faria sentido. Até esperei que ele respondesse. Mas não, o espanto era dirigido a mim. E o rapaz completou:

- Medo, dos alunos. 

Nunca, nunca, nunca tinha achado a minha profissão perigosa. Poderia escolher vários adjetivos. Mas perigosa, realmente não estava na minha lista.

Até aquele dia. Hoje, recebi essa notícia por email, sobre a violência nas escolas do Rio. Depois, jantando em um restaurante, acompanhei o Fantástico (ok, ok…) com uma reportagem sobre a falta de professores nas escolas brasileiras. Claro, as duas histórias certamente estão relacionadas, o fato dos professores não serem reconhecidos reflete em como a sociedade os trata. 

Terminei o domingo um pouco mais triste. É duro saber que nem todos podem ter o mesmo prazer que e tenho ao entrar em uma sala de aula. Em ano de eleição, certamente é um aspecto que devemos levar em consideração.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Geniais

- Seu telefone está funcionando.
- Pois é, resolvi o problema com a telefônica e ainda instalei a internet sem fio. Sem ajuda de ninguém.
- Que ótimo. Vamos tomar uma cerveja?
- Puxa, meu carro está sem espelho.
- Ah, a gente passa no Mercadocar e troca na hora.
- Perfeito. Estou passando aí.

Sim, esse diálogo é verídico e aconteceu entre duas amigas. Solteiras, que moram sozinhas e que acreditam que questão de gênero é problema literário. E ponto final.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A colher e a xícara

Ok, já que meu nome anda sendo citado por aí… Vou contar a história como realmente aconteceu.
Quem me conhece hoje em dia, tem dificuldades de imaginar, mas eu já tive experiências bem sucedidas na cozinha. Sim, e meus preferidos eram os doces. Claro, algumas vezes fazia aquelas receitas “quebra-galho” que impressionam e não dão o menor trabalho. Sabe aquela torta de limão de bolacha maisena? Um clássico… Mas um dia me cansei e achei que estivesse na hora de fazer uma torta, digamos assim, de verdade.
Não tive dúvidas e liguei para quem eu pensei que pudesse me ajudar:

- Luci? Tudo bem? To pensando em fazer uma torta de limão, mas queria fazer com massa de verdade? Tem alguma receita?
- Claro! Anota aí.
- Espere um pouco que eu vou pegar o papel.

  Prestem atenção na última linha: “Espere um pouco que eu vou pegar o papel.” Sim, porque apesar das minhas receitas darem certo, eu ainda estou na fase faço-tudo-como-está-escrito. E lá fomos nós.

- Uma xícara de açúcar.
- Uma xícara de açúcar.
- Duas xícaras de farinha de trigo.
- Duas xícaras de farinha de trigo.
- Uma gema de ovo.
- Uma gema de ovo.
- Duas colheres de sopa de margarina.
- Duas colheres de sopa de margarina
- Daí você mistura tudo e põe no forno para assar, por uns 15 minutos.
- Certo.

Fiz tudo como tinham me ensinado, açúcar, farinha, ovo e margarina. E depois dos 15 minutos, eis a minha surpresa:  o que era para ser uma massa se transformou em um bolo intragável. Eu, inconformada, liguei imediatamente:
- LUCIANA, minha torta deu errado!
- Mas você fez direitinho, como estava na receita? Essa massa não tem erro!
- Fiz, olha lá: uma xícara de açúcar.
- Certo.
- Uma xícara de farinha.
- Colher de sopa.
- Como?
- Colher de sopa.
- Não, não pode ser. Você tinha dito xícara de farinha.
- Ops…

Pois é, e assim eu voltei para a massa de bolacha de maisena, que não tem erro mesmo. Por que discutir com os clássicos?.
Mas pelo menos ganhei uma boa história para contar para os meus alunos quando vou ensinar a importância das unidades de medida.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Das tristes heranças

Quando era criança, sempre que chegava a casa da minha avó, ouvia, baixinho o rádio dizer: oi gente. A Vera, que trabalhava lá, passava o dia ouvindo Eli Correa. Devo confessar que eu até gostava daquela voz. Achava um pouco divertido ouvir o programa comendo bolo de cenoura na mesa da cozinha.

Quando a minha avó morreu, o Eli Correa continuou nas minhas tardes: assim que eu chegava da escola, passava o dia com o meu avô. Mas o meu avô também morreu. E a Vera veio trabalhar em casa. E então, a voz que antes era tão agradável começou a me incomodar: tinha alguma coisa errado e ela não deveria estar ali. Mas os dias foram passando, a tristeza e a saudade foram atropeladas pelo cotidiano e eu acostumei. Acordava todos os dias e não me incomodava mais. Não me divertia quando com os bolos de cenoura, mas a rádio Capital deixou de ser minha inimiga.

Hoje, quando eu acordei, aquela voz estava lá, inconfundível. Mas, me desculpe Eli Correa, desta vez eu não vou acostumar.