quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Jade e Jorge

Quando eu entrei na academia "só para conhecer" e vi que era ela quem iria me atender quase-quase fui embora. Jade é dessas meninas que de tão bonitas ficamos com raiva, principalmente quando estamos com a auto-estima reduzida a ponto de procurar uma academia.
Não desisti e ela me convenceu, parecia que me conhecia e sabia o que eu queria ouvir. Depois disso, passou a me ligar quando eu faltava na ginástica e quando que eu ia, conversávamos. Ela sabia o que eu gostava, perguntava do meu trabalho e contava um pouco da sua vida também, que tinha entrado na faculdade… Eu sabia que esse era o trabalho dela, mas não ligava. Gostava disso, na verdade. Um dia, cheguei na ginástica e ela não trabalhava mais lá. Tinha ido embora assim, sem dizer nada. Me senti um pouco traída e meio abandonada. Como eu faria agora sem ela? Quem iria me ligar?

Jorge é o frentista do posto onde eu abasteço o carro. Ou abastecia. Eu detesto colocar combustível, então adio essa tarefa até não poder mais, o que quase sempre acaba em uma 5ª feira e então eu abasteço sempre no mesmo posto. E o Jorge sabe disso. E sabe que eu não verifico o óleo e nem calibro os pneus. Então, quando eu vou lá ele faz tudo por mim. E eu sei que esse é o trabalho dele, mas ele me chama de professora e falamos de futebol. Eu nunca lembro se ele é palmeirense ou corintiano, mas ele sabe que eu sou são paulina. Mas hoje, ao abastecer, percebi que a bandeira do posto tinha mudado.
- Calma, Jorge, não enche não. O que aconteceu com o posto?
- Mudou, a Petrobrás comprou a rede.
- E agora, o que vai acontecer com o posto?
- Nada… fica tudo igual…
- E o preço da gasolina? – devo confessar que esse foi o fator que colocou Jorge na minha vida: o posto era o mais barato no caminho da escola.
- É, parece que vai aumentar… Mas a qualidade é outra, de confiança… - ele disse olhando para o chão. Nem ele acreditava no que dizíamos. Trocamos algumas palavras sobre o futuro, os empregos, os patrões e empresários. E quando eu estava indo embora, ele disse:
- Não deixa de vir aqui não, a gasolina é de confiança.
- Ok, vou tentar. – ambos sabíamos que  eu estava mentindo. Eu vou acabar num posto na Francisco Morato, que ainda não foi incorporado. E essa foi a nossa despedida.

Jade e Jorge eram duas pessoas que faziam parte da minha vida sem saber. Porque existem pessoas que conseguem ser assim. Encontrar com eles durante a semana fazia a minha semana mais agradável. Porque eles eram gentis e sorriam, mesmo que o dias deles não estivesse sendo bom. E eles saíram da minha vida da mesma forma que entraram: de repente. Agora, sem eles, quem vai me lembrar da pessoa que eu deveria ser?

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O outro lado da lua

Adorava Astronomia quando era criança e tinha a certeza absoluta, no auge dos meus doze anos, que seria astrônoma. Foi a Astronomia que me levou a Física, e no meio de tantas outras escolhas, ela acabou ficando de lado. Colecionava artigos de jornal e lia tudo que caia nas minhas mãos. E, em uma aula de ciências da 5a série, a professora diz:
- A lua só mostra uma face para a Terra.
Se eu pudesse escolher "frases que mudaram a vida" certamente essa seria uma delas. Eu achei aquilo tão incrível que não podia acreditar. E perguntei:
- Como?!
E foi então que o meu mundo caiu, a professora respondeu:
- A lua só mostra uma face para a Terra. Por isso dizemos a face oculta da lua.
- Mas a lua não gira?
- Gira.
- Então... Como pode?
A coitada da professora não estava preparada para aquela pergunta. Ela tinha decorado o roteiro direitinho: nove planetas (ops...), sabia a diferença entre translação e rotação, mas aquela pergunta ela não sabia a resposta. Claramente ficou incomodada com a minha insistência. Foi salva pelo sinal, mas sabia que não tinha acabado. Na semana seguinte, antes que eu dissesse qualquer coisa, ela me procurou:
- Perguntei para o professor de física do colegial que me explicou: é uma questão de segundos.
Eu realmente não sei se aquele papo de "professor de física" era para me assustar, ou me convencer. Mas sei que só piorou a conversar:
- Segundos?!!! Mas COMO?!
A minha relação com a professora de ciências da 5a série acabou logo ali. Ela não sabia a resposta e não devia ter entendido a explicação do "professor de física do colegial". E tinha sido formada para responder tudo e não sabia lidar com as perguntas que não tinha resposta. E disse:
- É uma questão de segundos e pronto. Agora vamos abrir o caderno e estudar o ciclo da água.

Puxa, na 5a série eu achava que não poderia aprender mais nada com ela. E da mesma forma que não sou astrônoma, estava enganada. Acho que todas as vezes que eu entro em sala, me lembro daquela aula. Ela me ensinou que podemos reconhecer nossas limitações. Ensinou que um bom professor não necessariamente sabe todas as respostas. E que a frase preferida de todos os estudantes é "por que?" E cada vez que algum aluno me pergunta: "mas como?" respiro fundo e penso naquela professora. Mesmo que a resposta esteja na ponta da língua.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A nossa Universidade


Todos os dias preparo meus alunos para entrar na Universidade. Hoje, fui preparar a Universidade que quero para os meus alunos.

Estava afastada do movimento estudantil desde que defendi o mestrado. Deixei um ME  fragmentado e desarticulado. E passei acompanhar as coisas de longe, e infelizmente, a maior parte das informações vinham da  grande imprensa. E assim, de longe, parecia plausível aquela história que me contavam todos os dias nos jornais. Mas, terça feira, até isso deixou de fazer sentido.

Já está na hora das pessoas perceberem que ser contra a polícia militar na campus não significa ser contra segurança ou por interesses pessoais. Sou contra a polícia militar na USP porque sou contra políticas públicas que criminalizem as nossas ações sem discuti-las. O governo do estado já fez isso com o cigarro, que deveria ser tratado como questão de saúde pública mas foi criminalizado. E hoje não fumamos nos bares, e quase não reclamamos desse fato. Há, inclusive, os que apóiam. E agora está fazendo novamente. Polícia não é sinônimo de segurança. A Universidade precisa de um plano de segurança publica que repense a sua ocupação, seus espaços, seus acessos. A gente se acostuma com tudo e tenho certeza que se acostumaria com a polícia no campus e logo deixaria de pensar o que isso significa. Um dia, um amigo contou que na sala de professores de sua escola outro professor dizia que a solução para a educação no Brasil seria colocar um policial em cada canto da sala de aula, assim, cada vez que algum aluno não se comportasse, tomaria tiro. E ele não estava brincando. “Assim eles saberiam como se comportar”. E faltaria pouco para alguém dizer que ofender funcionário público é crime e isso seria um pulo para defender que aluno mau criado fosse para a cadeia. "Só para aprender a se comportar".

Não. Definitivamente não é essa sociedade que quero. Não é para essa sociedade que formo todos os meus alunos.  E a Universidade faz parte da sociedade.

Assembléia de estudantes da USP no salão nobre da faculdade São Francisco.
Hoje, na assembléia de estudantes na São Francisco encontrei um movimento estudantil articulado e respeitoso. As pessoas se ouviam. Não se falava de maconha, mas de projetos de Universidade. É uma pena que 73 pessoas precisaram ser presas para que pudéssemos colocar em pauta questões que há muito tempo deveriam ser amplamente discutidas. Porque a defesa da Universidade que queremos - pública, segura e para todos – não deve ser uma luta só de estudantes, mas de toda a sociedade. 

domingo, 6 de novembro de 2011

Caras e bocas

Um dia eu me apaixonei por um moço. E como em toda paixão, nos deixamos levar pelos encantos e fazemos coisas que não faríamos caso estivéssemos sob controle de nossas faculdades mentais. E assim fui parar em um Mc Donalds de shopping em um domingo ensolarado. E para mim, tudo estava bem porque eu estava com o moço. Também como em toda história de amor, o moço já tivera outras moças e eu não me sentia muito a vontade com algumas... Entre o Big Mac e a coca cola eis que ele solta:
- A fulana entende emotions.
- Hein?
- É, aquelas carinhas... Eu escrevi uma hoje no email e você não respondeu.
- Hein?

Ok, eu deveria ter entendido aquilo na hora: estávamos com problema de comunicação. E não era por causa da ausência de sorrisos eletrônicos. Eu quis responder, dizer que eu tinha me formado em física e em jornalismo, que trabalhava em uma revista, que sabia programar em C e que portanto, não precisava de carinhas de computador. Quis completar dizendo que eu passei a adolescência com amigos reais, cervejas e festas reais e que por isso não, não usava o Icq. Mas se depois de seis meses de namoro ele ainda não tinha percebido nada daquilo, minhas palavras não serviriam... Então só fiquei olhando para o moço e não fui capaz de me defender. Fui para casa triste. Naquele dia não liguei para o shopping, a fila do cinema ou a quantidade de sódio na minha comida. Mas cheguei em casa me sentindo a pessoa menos querida do mundo.

Como era de se esperar, alguns Mc Donalds depois, troquei o moço por outro, que gostava dos meus erros de português. Preferia meu rascunho, do que a versão editada e corrigida, dizia.

Essa semana ao ler essa notícia no jornal, me senti, de certa forma, vingada. A folha republicou uma notícia do Times que discute a utilização dos emoticons principalmente entre os ambientes formais e qual os possíveis impactos na linguagem. Gostei, especialmente, de uma coordenadora de escola de Manhathan, Michele Farinet:


"Para mim, é como um filme malfeito em que, logo que o pai agarra o cachorrinho, a câmera imediatamente focaliza a expressão lastimosa do filho - como se o diretor não acreditasse que o espectador fosse capaz de sentir por si próprio uma emoção condizente com a cena", afirmou Farinet por e-mail. "É isso que os emoticons fazem. Por favor, não me 'mostre' que eu deveria estar com uma cara alegre ou triste ou que você está com uma cara triste ou alegre. 
Você seria capaz de imaginar a leitura do final de 'O Grande Gatsby' dessa forma? 'Então partimos, barcos contra a corrente, levados incessantemente de volta para o passado :-('"

E agora, José? Vai lá, defender as carinha de computador.

Hoje eu troquei os erros de português por notas musicais, e levo a vida cantando. Ainda que desafinada.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Menos suítes, menos fluoxetina.

Cada vez que recebo uma propaganda de um novo-edifício-super-luxo-100m2-quatro-suítes fico mais triste. Além de me perguntar o que tanto os milhares de estudantes de arquitetura fazem em suas universidades.

Hoje, a Folha de S. Paulo publicou uma notícia de que a Barra Funda vai se urbanizar, e "se transformar em uma nova Perdizes". O jornal escreve isso e não faz nenhuma reflexão sobre o que significa isso. Para que mora em Perdizes pode dizer o que a verticalização fez com o bairro: trânsito, barulho e poluição.
fonte:http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1000850-regiao-da-barra-funda-em-sp-ganhara-16-km-de-vias.shtml

Eu sei que não sou a primeira, e infelizmente, nem a última pessoa a pensar sobre isso. Esse tema já foi discutido em vários locais e por várias pessoas. Aliás - pausa para o Merchandising - assistam o filme Medianeras, que já passou por esse blog e trata dessa questão de forma belíssima. Também não sou a melhor pessoa para falar disso, já que sou professora e entendo muito pouco de arquitetura. Mas eu entendo um pouco de pessoas. E sei que a convivência é fundamental.

O dinheiro para as obras de restruturação do bairro viria das grandes obras. Porque na Nova Barra Funda, quem quiser construir acima do permitido basta pagar uma taxa à prefeitura... Hein?! As vezes eu me sinto em um filme de ficção em que não entendo as regras direito.

A construção desses megaprédios corrobora a lógica do individualismo. Cada um no seu quarto, com seu banheiro, seu computador. Quem dividiu banheiro com a irmã, sabe do transtorno que pode ser a hora de ir para a escola todas juntos, mas a delicia que é se arrumar para a festa dividindo o mesmo espelho. Eu sei que pode parecer um pensamento infantil, mas se as pessoas convivessem mais, seriam mais felizes e menos deprimidas. E agora as pessoas deixam de conviver em suas próprias casas, com suas famílias. Tenho medo de onde isso pode acabar.
E quem precisa de salas ou janelas?

Mas essa reportagem levanta outra questão. A gestão da Marta Suplicy tinha outro projeto para a urbanização da Barra Funda, que em uma busca rápida pelo google, re-encontrei em uma reportagem do Uol de 2006. E então, má vontade ou mau jornalismo? Por que para mim é muito estranho um repórter não fazer uma busca, que eu fiz em 0,30 segundos. Talvez porque encontraria a reportagem do concorrente, um pouco mais completa, que já avisava das mudanças do bairro em 2010 e não "esqueceu" o projeto da antiga prefeitura.

Por isso a partir de hoje eu lanço a campanha: menos suites, menos fluoxetinas. Para que possamos discutir e construir a cidade que queremos.